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BIOGRAPHIAS
DE
HOMENS CELEBRES DOS TEMPOS ANTIGOS
E MODERNOS
VASCO DA GAMA
Obra Illustrada com 6 gravuras
LIVRO DE LEITURA
PARA
FAMILIAS E ESCOLAS
D. C
DAVID CORAZZI—EDITOR
Lisboa—40, Rua da Atalaya, 52
Rio de Janeiro—40, Rua da Quitanda, Sobrado
1884
CADA VOLUME
50 RÉIS
BIOGRAPHIAS
DE
HOMENS CELEBRES, DOS TEMPOS ANTIGOS
E MODERNOS
VASCO DA GAMA
OBRA ILLUSTRADA COM 7 GRAVURAS
LIVRO DE LEITURA
PARA
FAMILIAS E ESCOLAS
DEDICADO Á CLASSE PREPARATORIA
DOS
COLLEGIOS E LYCEUS
DAVID CORAZZI—EDITOR
Lisboa—40, Rua da Atalaya, 52—Lisboa
Rio de Janeiro—40, Rua da Quitanda—Sobrado
1884
Vasco da Gama
VASCO DA GAMA
Entre as causas que espertaram o animo e brio dos portuguezes para se abalançarem á empreza dos descobrimentos, podem apontar-se como principaes: o desejo de dilatar a fé christã em todo o mundo conhecido; a sêde de gloria e de renome; a ambição de grangear fortuna conduzindo para o reino as especiarias, o ouro e pedras preciosas em que abundam as regiões orientaes; e a curiosidade de desvendar os segredos da natureza n'aquellas remotissimas paragens.
E não se julgue que as navegações do seculo XV foram iniciadas sem plano, sem destino. Pelo contrario. Os nossos intrepidos mareantes levavam a sua rota já marcada, e não levantavam ferro sem se aperceberem de todos os conhecimentos e apparelhos necessarios ao cosmographo. A cultura intellectual do povo portuguez attingira o grau de desenvolvimento bastante grande para acompanhar o movimento scientifico e litterario das mais adiantadas nações da Europa, e com as suas viagens n'aquella época teve principio a historia verdadeira das navegações ao longo da Africa. Até ali tudo é vago, indeciso, fabuloso.
Portugal estava mais proximo, que nenhum outro povo, do litoral africano; tinha já tomado Ceuta; dobrara o cabo Bojador; e sabia, em virtude da passagem do cabo da Boa Esperança, que existia communicação entre o Atlantico e o mar das Indias. Por tudo isto nutria no peito a generosa aspiração de levar o nome da patria e do filho de Maria aos paizes em que nasce a aurora. Tal era o desejo, a vontade nacional. Ora, sempre que um povo nutre uma idéa grandiosa, surge de entre a multidão um grande homem, o qual é—porque assim digamos—a personalisação do sentimento popular. Esse grande homem, esse representante da vontade unica de todos os portuguezes foi Vasco da Gama.
Affirmam os chronistas que elle nasceu em Sines, e que teve por paes a Estevão da Gama e Isabel Sodré; e ainda que pouco escrevam, d'onde possamos inferir como correra a sua infancia e puericia, é comtudo facil presumir que principiou a sua carreira nos mares da Africa, e que sendo encarregado de negocios importantes, d'elles se desempenhou a contento do seu rei. A biographia de Vasco da Gama só é clara quando el-rei D. Manuel o escolheu para levar a cabo a empreza que sonhara. O facto de haver sido eleito pelo monarcha afortunado bem mostra que o Gama era navegante experimentado, e de animo feito e capaz de grandes cousas. E assim acontecia. Entre as qualidades que lhe adornavam o espirito, avultavam a energia com que exercia o mando, a constancia nos designios, e a inflexibilidade na administração da justiça.
Assomado de genio, commetteu atrocidades, é certo; mas, se ao lermos a descripção de suas inclemencias e durezas, nos lembrarmos das circumstancias em que foram praticadas, veremos que muitas, se não todas, dictou-as a necessidade de manter a disciplina, ou de domar a aspereza dos inimigos.
Tendo Vasco da Gama acceitado a espinhosa commissão, aperceberam-se os tres navios construidos expressamente para ella: S. Gabriel, S. Rafael e S. Miguel. No primeiro arvorou Vasco da Gama o pendão de commandante; ao segundo deu por capitão seu irmão Paulo da Gama; e o terceiro, conhecido pela alcunha de Berrio, ficou sob as ordens de Nicolau Coelho.
Nada faltava á expedição. Abundancia de mantimentos, boa artilheria, velame de sobreselente, medico, botica, presentes para os reis em cujos dominios aportasse, tudo se preparou. A armada partio do Tejo a 8 de julho de 1497 por entre as saudações e as lagrimas da numerosa multidão, que affluira á praia do Restello.
Depois de avistar as Canarias, e de fazer aguada na ilha de Santa Maria, archipelago de Cabo Verde, seguio Vasco da Gama para o cabo da Boa Esperança.. Começaram os trabalhos e os perigos. Desencadeavam-se furiosas as tempestades ameaçando submergir a armada inteira, e a esta lucta incessante com os elementos juntava-se a insubordinação dos tripulantes, que não queriam continuar a viagem. Serenadas as tormentas e suffocada a insurreição, chegou a frota no dia 8 de novembro á bahia que tem por nome Angra de Santa Helena.
A nau S. Gabriel
Saídos em terra os portuguezes para fazer observações, descobriram dois negros atrás de uma collina. Deram-lhes de comer, e prometteram manjares e contas de cristal a todos os companheiros, que descessem á praia. Os negros accederam ao convite, mostraram-se amigos dos nossos; mas pouco depois revelaram-se traiçoeiros e malfeitores. Em vista da hospedagem que os indigenas lhe offereciam, decidio Vasco da Gama fazer-se novamente de véla, e a 20 de novembro conseguio dobrar o cabo da Boa Esperança. Removeram-se os terrores, com que o afamado promontorio salteava a imaginação dos tripulantes, e começou a empreza a affigurar-se mais auspiciosa.
A sessenta leguas de distancia a armada surgio e fundeou em uma bahia chamada Aguada ou Angra de S. Braz. E como os portuguezes temessem um recebimento igual ao que tiveram na Angra de Santa Helena, desembarcaram promptos e armados para a lucta. Tiveram com effeito de repellir a violenta aggressão de um enorme bando de negros hottentotes. Estes indigenas são de estatura meã, espadaúdos, e as mulheres têem uma bossa no prolongamento dos rins, que produz um effeito desusado, e que lhes serve para trazer os filhos. Cumpre todavia dizer que esta bossa é ainda mais accentuada nas mulheres bochimans.
Mulheres hottentotes
Quando deixaram a Aguada de S. Braz padeceram os portugueses uma furiosa tempestade, que os fez quasi desesperar de salvamento; mas, conjurado o perigo, avistaram a 26 de dezembro os ilhéus Chãos, a 27 o ilhéu da Cruz, e chegaram no dia 28 á altura do rio do Infante, ultimo ponto a que chegara Bartholomeu Dias.
Forçado Vasco da Gama a entrar em algum porto onde se abastecesse de agua, aproximou-se da costa, e no dia 10 de janeiro de 1498 descobrio um pequeno rio. Como visse em terra muitos negros de elevada estatura e grande corpulencia, mandou desembarcar o lingua Martim Affonso com alguns brindes para o senhor d'aquelles negros, a fim de colher informações a respeito da India. Estavam os nossos no paiz da Cafraria, cujo chefe, deslumbrado pela formosura dos presentes e pelo incarnado da carapuça com que Vasco da Gama o brindara, recebeu amavelmente a Martim Affonso e ao companheiro, deu-lhes papas de milho e uma gallinha, e enviou ao commandante alguns refrescos.
A tribo da Cafraria que Vasco da Gama visitou, foi a dos zulus. São homens bravos, energicos, intelligentes, de pelle não preta, mas bronzeada. Pertencem á raça designada pelo nome de negroide. O nauta portuguez chamou á paragem, em que viviam estes cafres, Aguada ou Terra da Boa Paz, e ao rio em que se proveu de agua, Rio do Cobre.
Proseguindo na derrota, descobrio a 26 de janeiro um outro rio de larga embocadura, no qual vogavam alguns bateis tripulados por homens que pareciam mestiços de ethiopes e arabes. Eram em extremo communicativos, subiam ás naus, recebiam presentes, davam em troca os productos da sua terra, e um d'elles dizia ser de muito longe, e affirmava ter já visto navios do tamanho dos nossos. Contente com taes auspicios, Vasco da Gama baptisou o rio com o nome dos Bons Signaes, e erigio n'elle um padrão que vinha a bordo do S. Rafael, e que d'este nome tambem foi appellidado. A alegria porém foi pouco duradoura, porque tendo o commandante resolvido permanecer algum tempo n'aquelle rio, eis que a tripulação adoece ao cabo de poucos dias atacada de escorbuto. O rio era o Zambeze, cujas margens insalubres iam servindo de sepultura áquelle punhado de heroes.
Dança dos cafres zulus
Só a 24 de fevereiro continuou a armada o seu caminho. Avistadas algumas ilhotas, e não occorrendo cousa digna de menção, perceberam os portuguezes no dia 2 de março que de uma ilha navegavam sete ou oito barcos, e attentando nos tripulantes, viram que era gente mais culta do que os cafres. Conversaram com os nossos, disseram-lhes que a terra em que se achavam tinha o nome de Moçambique, e que os habitantes negociavam em ouro, prata, pimenta e especiarias com os mercadores arabes que íam da India áquelle porto. E mais disseram que o Preste João não era d'ali muito distante, com o que encheram de jubilo o coração dos portuguezes.
Vasco da Gama determinou logo dirigir-se a Moçambique para ver se eram fidedignas as informações, que acabava de obter, e com o fim de tomar piloto para a India, se as visse confirmadas. Nicolau Coelho entrou primeiro a sondar a barra no navio S. Miguel, e reconhecendo que havia bom fundeadouro, entrou o resto da armada e lançou ferro.
O xeque, apenas soube que a armada fundeara, mandou visitar Vasco da Gama, que por seu turno lhe enviou alguns presentes. O mouro, mais ambicioso que os cafres, pedia brindes de mais alto preço; porém não recusou os que lhe foram offertados, e veio visitar o capitão-mór. Vasco da Gama dispoz tudo para esconder a fraqueza da sua frota, e ordenou á sua gente que estivesse preparada para o caso de alguma traição urdida pelo xeque. Chegou este trajando as suas mais luzidas vestiduras, foi recebido com todas as mostras de amisade, e com um opiparo banquete. O xeque deu a Vasco da Gama dois pilotos, os quaes, por ordem do capitão, nunca íam juntos a terra, para que não lograssem pôr em execução algum trama combinado com o soberano.
A utilidade d'esta medida ficou em breve demonstrada, pois que se conheceu por indicios infalliveis que os mouros meditavam alguma affronta. Vasco da Gama deliberou então sair de Moçambique antes de lhe ser preciso combater; porém, tendo mandado em dois bateis alguns homens armados buscar agua e lenha, foram estes accommettidos pelos mouros, cuja audacia castigaram a tiros de espingarda. A armada levantou ferro no dia 10 de março e fundeou n'uma ilha proxima que Vasco da Gama appellidou S. Jorge. Ahi se ergueu um altar, celebrou-se missa, e todos portuguezes se confessaram e commungaram. Em seguida partio a frota para Calecut.
Após variados episodios, em que destaca principalmente a perfidia dos musulmanos e do piloto que acompanhava a armada, depois da impreterivel necessidade de resolver por armas, o que melhor fôra se resolvesse por palavras, chegou Vasco da Gama a Mombaça no dia 7 de abril, e entrou no porto com os navios embandeirados cuidando encontrar na cidade um numero avultado de christãos. Note-se que o capitão-mór só determinou ancorar no porto em vista das informações ministradas por dois degredados que trazia, e que mandára a terra observar qual a religião, a riqueza e a indole da gente de Mombaça. Apezar disso, mais uma vez teve de punir as insidias dos musulmanos que, de combinação com o piloto, pretendiam dar com as naus em cima dos baixios. Vasco da Gama ordenou que fossem mettidos a tormento, pingados com azeite a ferver.
Na quinta feira de Endoenças largou do porto de Mombaça, perdida a esperança de achar piloto que o conduzisse para Calecut. A poucas leguas de distancia apresou um zambuco tripulado por dezoito pessoas, que disseram existir não longe uma cidade, Melinde, em que facilmente se encontraria o piloto desejado.
Não obstante o que a gente do zambuco referia sobre a natural bondade do rei de Melinde, o Gama receiava submetter-se a nova experiencia. Não lhe saíam da memoria as torpes insidias de Mombaça, mas, como era urgente a necessidade, partio para Melinde, onde chegou domingo de Paschoa.
Foi amigavelmente recebido pelo rei, e deparou-lhe a sorte um piloto guzarate, Malemo Cana, que o conduziu a Calecut, onde surgio a 20 de maio.
Uma vez surto na cidade, que então era o emporio da riqueza oriental, ardia Vasco da Gama no desejo de conhecer o paiz, e communicou a sua chegada ao rei ou Samorim. Ordenou para isso, que desembarcassem o piloto Malemo Cana e um dos degredados. Apenas saltaram em terra foram levados á casa de dois mouros, naturaes de Tunis, um dos quaes, chamado Monçaide, vendo o degredado, fallou-lhe castelhano e quiz ir á presença de Vasco da Gama. Taes foram as noticias que Monçaide deu ácerca do Samorim, que o Gama resolveu ir pessoalmente visital-o, acompanhado de doze homens esveltos e vestidos ricamente. Como a visita fosse d'antemão annunciada, era o capitão-mór esperado na praia por um official do rei de Calecut, a que se dava o nome de Catual.
Para que descrever a pompa verdadeiramente asiatica do cortejo? Basta dizer-se que tudo era digno do brioso navegador. Durante o trajecto quiz o Catual que Vasco da Gama visitasse um pagode ou templo malabar. Entraram os portuguezes no templo, e julgando que era christão, ajoelharam-se e prestaram culto ás imagens de Siva e Vishnu. Chegado ao palacio real, foi o Gama recebido pelo Samorim, que ostentava nos braços, na cabeça e nas orelhas valiosissima profusão de esmeraldas, perolas e rubis. Affirmou-lhe o portuguez que viera á India por mandado de um poderoso rei do Occidente para assentar com elle paz e amisade, e que trazia mercadorias para dar em troco das que recebesse. O Samorim prometteu auxiliar os portuguezes; mas o Catual e os mouros, roidos de inveja, conseguiram dissuadil-o do proposito. Só o animo valoroso do capitão-mór podia resistir a tanta contrariedade. Chegaram as cousas ao ponto de ficar o proprio Gama com os doze europeus prisioneiros do Catual, cuja primeira idéa foi matal-os, contentando-se depois com exigir-lhes thesouros e riquezas. Finalmente Vasco da Gama conseguio voltar com os companheiros aos navios, e mandou queixar-se ao Samorim das offensas que recebera. O soberano fingio-se descontente com o official, deu mostras de querer proteger o commercio dos portuguezes, mas pouco depois revelou que os tinha na conta de ladrões, porque prohibio que fosse alguem negociar a bordo dos navios, e prendeu em terra Diogo Dias e mais alguns que tinham ido á feitoria. Para evitar que estes infelizes morressem á ordem do Samorim, Vasco da Gama aprisionou seis naires mui qualificados que visitaram a armada com dezenove homens, e não os entregou sem receber primeiro a sua gente. E partio de Calecut promettendo voltar cedo, e mostrar quem eram os christãos do Occidente, alcunhados de corsarios pelo Samorim. Veio tambem Monçaide, que se fez christão, e mais dois mercadores mouros.
Pagode Malabar
Na viagem de Calecut a Lisboa não faltaram desgostos e tribulações áquella
... gente ousada mais que quantas
No mundo commetteram grandes coisas.
Luctaram com as traições do Samorim, cujas embarcações lhes saíram ao encontro; tiveram de resistir ás ciladas do senhor de Goa que tambem lhes desejava causar damno; arrostaram com a furia das procellas; padeceram novamente o escorbuto, e só poderam tomar fôlego, quando aportaram a Melinde, onde Vasco da Gama, com licença do rei, mandou erigir um padrão com uma cruz e as armas de Portugal. Saindo de Melinde a 10 de fevereiro de 1499, Vasco da Gama surgio a 28 na ilha de Zanzibar, tornou a passar pela aguada de S. Braz, e a 20 de março dobrou o cabo da Boa Esperança.
Dos tres navios, tinha sido queimada a nau S. Rafael, e os dois restantes separaram-se nas alturas de Cabo Verde. Quer fossem apartados por uma tempestade, quer pelo desejo que nutria o commandante do Berrio, de trazer a el-rei D. Manuel as primeiras noticias da expedição, é fóra de duvida que Nicolau Coelho chegou a Lisboa mais de um mez antes de Vasco Gama.
Vasco da Gama erige na costa d'Africa um padrão com as armas de Portugal
O capitão-mór trazia enlutado o coração pela morte de Paulo da Gama, seu irmão estremecido, e chegando ao Tejo, antes de se apresentar a D. Manuel, quiz agradecer á virgem de Bethlem o havel-o tomado sob sua guarda. Vasco da Gama foi conduzido ao paço com grande solemnidade, e o rei, como paga de seus enormissimos serviços, conferio-lhe o titulo de dom, acrescentou no seu brazão de armas as quinas de Portugal, nomeou-o almirante da India para si e para seus successores, e doou-lhe 300$000 réis de juro e herdade.
No anno seguinte enviou D. Manuel á India Pedro Alvares Cabral, a fim de estabecer commercio e alliança com o rei de Calecut. Este, porém, houve-se com tão rematada hypocrisia, que os nossos tiveram de bombardear a cidade e matar grande numero de mahometanos. E ficando reconhecido que só á viva força se podia tirar proveito do descobrimento da India, foi Vasco da Gama despachado novamente para aquella região. Partiu de Lisboa a 10 de fevereiro de 1502, dobrou sem difficuldade o cabo da Boa Esperança, aportou a Moçambique onde foi bem recebido pelo xeque, reduziu á vassallagem o reino de Quiloa obrigando o soberano a pagar annualmente 2:000 meticaes de ouro. De Quiloa dirigiu-se á costa de Malabar, que foi theatro de uma das atrocidades mais nefandas commettidas pelo inexoravel navegador. Tendo encontrado um navio carregado de peregrinos, que regressavam de Mecca onde foram visitar o tumulo Mahomet, apoderou-se de todas as riquezas, e mandou pôr fogo ao navio sem se apiedar das mulheres, que imploravam misericordia levantando nos braços os filhinhos. Pouco depois fundeou Vasco da Gama em Cananor, e d'ahi passou-se a Calecut com o proposito firme de vingar-se do Samorim. Principiou por apresar alguns cincoenta malabares, que andavam pescando, e farto de responder ás mensagens do insidioso rei, enviou-lhe os cadaveres dos desventurados prisioneiros, e com uma furiosa artilheria arrasou-lhe completamente a cidade. Deixou em Calecut Vicente Sodré com uma frota de seis navios, e partiu para Cochim, logrando assignar com o rei um contrato vantajoso para Portugal.
O Samorim, que reunira as suas forças durante a ausencia do Gama, enviou-lhe um mensageiro convidando-o para novas negociações. Vasco da Gama—custa a crer—mais uma vez caiu no laço, e tendo ido em pessoa a Calecut com um só navio, foi rodeado por innumeros paraos, de que escapou milagrosamente porque o soccorreu a tempo a frota de Vicente Sodré. Destroçados os paraos, Vasco da Gama tornou a Cochim, passou a Cananor, e de Cananor seguiu para Lisboa, onde ancorou no dia 1.º de setembro de 1503, e entregou a el-rei D. Manuel as riquezas que trouxera de Quiloa.
Mulheres da costa de Malabar
Excederam toda a expectativa os resultados d'esta segunda viagem. O almirante, que descobrira o caminho das Indias, fundou no extremo oriente para Portugal o monopolio do commercio das especiarias. Por isso o rei conferiu-lhe o titulo de conde da Vidigueira, o povo saudou-o com enthusiasmo, e povo e rei prepararam-lhe uma entrada em Lisboa igual á dos triumphadores romanos.
Mas.—tal é a ingratidão dos homens!—o ciume do monarcha e a inveja dos cortezãos votaram o glorioso mareante aos desgostos de um prolongado esquecimento. Vinte e um annos esteve ocioso aquelle grande espirito, até que D. João III, que succedeu na corôa a D. Manuel, o nomeou vice-rei da India. Envelhecido e quebrado, não tanto pela idade como pela rudeza dos trabalhos, ainda assim não resignou o cargo, e por entre ruidosas acclamações fez-se de véla aos 9 de abril de 1524.
Proximo das costas de Cambaya succedeu que, estando tranquillos céu e mar, e não havendo uma nuvem no horisonte, encapellaram-se as ondas e vieram quebrar-se com violencia nas embarcações. Assustaram-se os tripulantes, e Vasco da Gama percebendo que o phenomeno era devido a um tremor de terra, disse-lhes em tom sereno: «Amigos, prazer e alegria; o mar treme de nós.»
Pouco depois chegou ao porto de Chaul, onde se demorou tres dias, seguindo logo para Goa, pois desejava quanto antes acudir ás desordens que lavravam na administração dos negocios. Entristeceu-se com o que viu em Goa, porém não desmaiou. Tomou providencias energicas e severas, corrigiu abusos, castigou roubos, e dispostas as primeiras cousas, partiu para Cochim. Ainda uma vez desbaratou as forças do Samorim, e quando esquipava uma grande armada, que restituisse ao nome portuguez a antiga fama, accommetteu-o uma grave enfermidade. Sentindo que a morte se avisinhava, quiz ir para Cochim, e lá morreu a 25 de dezembro de 1524. Foi sepultado no convento de S. Francisco d'aquella cidade, e em 1538 se trasladaram os seus ossos para Portugal, e encerraram-se n'um jazigo construido no convento carmelitano de Nossa Senhora das Reliquias, junto á villa da Vidigueira. O epitaphio do seu tumulo era o seguinte:
Aqui jaz o grande argonauta D. Vasco da Gama, primeiro conde da Vidigueira, almirante das Indias orientaes e seu famoso descobridor.
No dia 8 de junho de 1880 foram os restos mortaes de Vasco da Gama levados com grande solemnidade para a egreja de Santa Maria de Belem, por occasião do centenario de Camões, e ahi repouzam ao lado das que se julgam ser as cinzas do cantor inspirado dos Lusiadas.
O maior elogio que se póde escrever do descobridor da India, cifra-se nas palavras com que o sr. Latino Coelho remata o seu estudo sobre este varão illustre.
«Acima de todos os homens eminentes, que levaram os baixeis e as armas portuguezas até os mais remotos confins do nosso globo, levanta-se Vasco da Gama, á similhança do mais alteroso cimo do Himalaya, que vê abaixo de si as mais erguidas cumiadas, que sem elle seriam assombrosas serranias collossaes. Toda a acção de Portugal na historia da civilisação está personificada no seu grande soldado navegador, o espirito da patria no Camões, tambem guerreiro e navegante, que ao nome do argonauta enlaçou no seu poema todas as glorias de Portugal.
BIOGRAPHIAS DE HOMENS CELEBRES DOS TEMPOS ANTIGOS E MODERNOS
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